sábado, junho 30, 2012

Ensaio de um beijo

Quem nunca? Quem jamais ensaiou? Acontece na vida de todo mundo, hora ou outra. É aquele momento ímpar em que um dos dois está sempre esperando o desenrolar. É o clímax. Os segundos preferidos. Aquele pequeno espaço de tempo em que a gente ou está planejando agir, ou já imaginou a ação tantas vezes, antes, que tem medo de não saber reagir da maneira certa na hora.
É o espaço mais curto e mais comprido da noite. O minuto que foi tão planejado, tão esperado, tão desejado que dá até medo de travar. De passar mal. E a gente quase que passa mal. Tem aquele frio na barriga, as borboletas se alvoroçam todas no estômago, chega a faltar o ar. E o outro nem percebe. A gente aqui quase desmaiando, imaginando mil coisas, com mil outras coisas se mexendo dentro da gente, apavorando a gente, e o outro nem piriri.
E aí acontece. Por vezes é exatamente como esperado, por outras é muito melhor e, na pior das hipóteses, não é bom. A verdade é que a melhor parte não é nem durante o beijo, e nem depois. É o antes. É a preparação, são os segundos preciosos que antecedem a ação, e que são os que nos tiram o equilíbrio.
E cada caso é um caso. Por conta do antes, nenhum beijo, em si, é igual. O antes é o que define o durante e o depois. Aliás, o durante é padrão. É sempre a mesma coisa, é como andar de bicicleta. E, assim como andar de bicicleta, por vezes a gente até passeia um pouco em uma nova, mas a gente vai sempre se lembrar daquela antiga, que era a preferida.
A gente sempre vai ter uma bicicleta e um beijo preferidos. E cada pedalada nova é, ao mesmo tempo, única.


"Que tal um beijo, Saumensch?" (A menina que roubava livros)

terça-feira, junho 26, 2012

Tombos

Você vai se desequilibrar. Vai ter dias em que você vai tropeçar nas próprias pernas, nas próprias palavras, vai se estribar todo. Você vai levar aqueles tombos que a gente nunca sabe como aconteceram, que quando foi ver já estava no chão, caído.
E geralmente, quando isso acontecer, vai ralar seu joelho, sua perna, sua cara. Vai te ralar todo. Mas o que você vai fazer? Você vai sorrir. Porque tem gente demais esperando uma queda sua pra aplaudir, e ninguém tem o direito, nem por um momento sequer, de rir de você.
Então você vai sorrir e olhar bem pra cara daqueles que esperam tua queda, sem dizer nada. Mas o recado vai ser dado. Claro, cristalino. O seu sorriso vai esfregar na cara de quem espera pra te ver no chão, que não é um tombinho a toa que vai tirar teu rebolado. Não é qualquer pedrinha no caminho. E pros poucos que te desejam o melhor, que te acompanham na caminhada, seu sorriso vai ser o suficiente pra que eles saibam que você tem a força que eles imaginam que você tenha.
Os tombos são inevitáveis. E quando você cai, você pode chorar o joelho ralado, o orgulho ferido, ou rir por ser tão estabanada, tão leve, tão suscetível a cair de vez em quando. Você pode cair e dar um motivo pra que riam de você, ou cair e fazer do seu tombo um motivo pra rir de si mesma e de quem tem tanto tempo ocioso que fica vigiando seus passos.

terça-feira, junho 19, 2012

(Im)perfeições

Ninguém ama outra pessoa pelas qualidades que ela tem, caso contrário os honestos, simpáticos e não fumantes teriam uma fila de pretendentes batendo a porta.
Arnaldo Jabor

Deve ser por isso que é tão difícil destacar qualidades, e tão simples mencionar defeitos. Geralmente, quanto mais defeitos a pessoa tem, e mais defeitos a gente aprende a aceitar, mais consistente tende a ser o sentimento.
Porque a gente se molda de acordo com os defeitos do outro. Aceita, modela, passa por cima. Ignora. E se a gente é capaz de fazer isso é porque é forte. De verdade.
Porque amar qualidades é fácil demais, não dá mão-de-obra nenhuma, é simples. E embora as coisas simples sejam encantadoras, as complexas são mais saborosas. E selecionar todos os defeitos daquela criatura que te faz prender a respiração, tira o chão dos seus pés e te bota de cabeça pra baixo, elencar cada um deles, driblar, aceitar e perdoar... ah, isso é complexo.
A gente não se apaixona por qualidades. A gente se apaixona por defeitos que nos fazem passar tanto tempo cuidando, entendendo, perdoando, moldando, que quando vamos ver, são os nossos defeitos. Nossos porque a gente precisou lidar com eles, por vezes, mais que a outra pessoa. Nós adaptamos os defeitos e nos adaptamos aos defeitos, e quando vamos ver, é amor.
Por isso é tão fácil amar aquela pessoa que tende a ser a maior dor de cabeça. Porque, no fim das contas, a dor de cabeça se torna uma nova certeza que pode ser muito bonita. E essa dor dói e dói e dói mais uma vez, mas o depois, o descansar a cabeça no travesseiro tendo a certeza do outro, com todos os defeitos que são só dele e que o tornam A pessoa, valem a pena demais.

domingo, junho 17, 2012

Como quem crê

Como quem acredita em destino, ela insiste. Como quem não perde a fé, ela crê. Como quem acredita em finais felizes, ela vai até o fim. Tropeça, cai, rala o joelho, rala o peito, rala a alma. Se rala todinha por dentro: rala o coração, rala o orgulho. Fere, se machuca. Depois levanta e continua.
Como quem não se deixa abater por uma tempestade. Como quem não se deixa levar por tanta gente que não tem a mesma fé. Como quem acredita. Ela cai num buraco fundo e escala até a superfície, porque anseia pelo que vem pela frente.
O futuro é incerto demais, as únicas previsões que se pode fazer é que vai ter sorriso, vai ter choro. Vai ter desespero e vai ter paz. Vão ter madrugadas frias e dias ensolarados. Vai ter felicidade a rodo, e também vai ter aquela tristeza de derrubar o otimismo de uma nação inteira. Mas vai ter alguma coisa.
E é por isso que ela continua. Vai e quebra todos os protocolos, porque certamente não nasceu pra seguir regras alheias. Faz tudo a sua maneira, ainda que por vezes se engane e precise refazer tudo. Ela traça o seu caminho, rema contra toda a maré que venha de encontro. Nada na direção oposta, foge a todas as especulações. Foge das previsões. E quando acha que não vai dar pé, continua até onde o fôlego aguenta, até a hora que ela não aguentar de verdade.
Pra ela o hoje vai ser sempre melhor que o ontem, e certamente pior que o amanhã. E é nisso que ela acredita, é nisso que ela deposita sua fé. Ela crê por quem não crê em si mesmo, ainda que ela mesma não creia tanto assim nela. Mas a força dela, a que ninguém sabe de onde vem, tá ali pra quem quiser ver.
Vai cair quantas vezes forem necessárias. Vai se ralar toda, se quebrar toda. Vai chorar um rio, mas vai sorrir um oceano. E no fim, certamente, tudo vai ter valido a pena. Vai valer a pena pelas batalhas vencidas, os obstáculos deixados pra trás, as histórias pra se lembrar amanhã. Amanhã é outro dia, é um dia independente. É um dia singular. E como quem crê que o amanhã traz um dia ensolarado e milhões de outros momentos singulares, ela vive.

sexta-feira, junho 15, 2012

Bons momentos

A gargalhada mais gostosa é a que vem sem querer. A que acaba te surpreendendo quando irrompe garganta a fora. É aquela que não se pode conter, a risada que a gente dá de uma coisa boba que, na hora, foi engraçada demais.
O sorriso mais gostoso é o sorriso de criança. Porque é sincero. Isento de maldade. É o sorriso que diz tanto, sem palavra alguma. Vem acompanhado daquele brilho no olhar que só uma criança tem.
A lágrima mais gostosa é a que escapa no meio da gargalhada mais gostosa. A que escapa naquele momento singular de orgulho, felicidade, ou emoção. Aquela que quer dizer nada mais, nada menos, que: “eu me permiti viver um pouco, sorrir um pouco, arriscar um pouco pra me orgulhar um pouco”.
Ninguém é feliz sozinho. Gargalhadas não nascem na solidão, sorrisos sinceros são fruto de momentos sinceros e sentimentos sinceros. Lágrimas só são bonitas quando trazem uma alegria camuflada. A melhor parte da vida é feita de bons momentos que insistem em escorrer por entre os dedos.

domingo, junho 03, 2012

Amar

"É fácil amar o outro na mesa de bar, quando o papo é leve, o riso é farto, e a cerveja é gelada.
É fácil amar o outro nas férias de verão, no churrasco de domingo, nas festas agendadas no calendário do de vez em quando.
Difícil é amar quando o outro desaba. Quando não acredita em mais nada. E entende tudo errado. E paralisa. E se vitimiza. E perde o charme. O prazo. A identida...de. A coerência. O rebolado.
Difícil amar quando o outro fica cada vez mais diferente do que habitualmente ele se mostra ou mais parecido com alguém que não aceitamos que ele esteja.
Difícil é permanecer ao seu lado quando parece que todos já foram embora. Quando as cortinas se abrem e ele não vê mais ninguém na platéia. Quando o seu pedido de ajuda, verbalizado ou não, exige que a gente saia do nosso egoísmo, do nosso sossego, da nossa rigidez, do nosso faz-de-conta, para caminhar humanamente ao seu encontro.
Difícil é amar quem não está se amando.
Mas esse talvez seja, sim, o tempo em que o outro mais precisa se sentir amado. Eu não acredito na existência de botões, alavancas, recursos afins, que façam as dores mais abissais desaparecerem, nos tempos mais devastadores, por pura mágica. Mas eu acredito na fé, na vontade essencial de transformação, no gesto aliado à vontade, e, especialmente, no amor que recebemos, nas temporadas difíceis, de quem não desiste da gente."

Talvez o resto

                Talvez não um ano atrás. Não no princípio, não naquela primeira primavera. Talvez não naqueles primeiros sorrisos e lágrimas e sentimentos que começavam a aprender a se arrastar, engatinhar. Talvez não fosse possível, então. Talvez não passasse de uma fase. Talvez não durasse, e acabasse sendo nada, ou quase nada. Talvez sequer tivesse existido.
                Mas aquele dia foi o primeiro dia do primeiro ano de outros anos. Aquela foi a primeira, mas não a ultima primavera, não a única. Depois daqueles sorrisos todos, muitos mais estavam por vir, e todas as lágrimas que ainda prometiam rolar desde então foram e são capazes de encher todo um rio, quiçá um oceano.
                Aquele primeiro dia, naquela quase primavera, naqueles quase sentimentos formados e existentes, aquilo foi o princípio de algo que tomaria proporções estranhas e avassaladoras. Aquilo foi só o princípio. Aquele sentimento que se arrastava e engatinhava vagarosamente de um lado pro outro hoje anda em passos firmes e decididos. Passos que não vacilam e nem cogitam parar ou retroceder.
                Aquela fase foi só o princípio do resto. E o resto não acaba, não vira nada nunca, não diminui, não evapora, não some. O resto é mais do que resto. O resto é tudo. O resto engloba cada noite mal dormida, cada sorriso mal contido, cada gargalhada de quem conhece o outro até do avesso. O resto define o todo. Define, mas não limita. E existe. É tão certo quanto o nascer do sol de amanhã.
                Talvez, há um ano, o início, as primaveras, os sorrisos e lágrimas engatinhando não passassem de um borrão incerto e errante. Mas não hoje. Hoje eles são certeza. Hoje eles acordam, sorriem e dizem “bom dia” como quem sempre soube que ia crescer e se fortalecer. Talvez um ano atrás fosse tudo muito vago, mas hoje é tudo muito certo. Talvez, há um ano, sequer cogitasse ser amor. Mas hoje, decididamente, é.